Friday

Retrato de Época


"Os pequenos fazendeiros observam como as dívidas sobem insensivelmente, como o crescer da maré. Cuidaram das árvores, sem vender a colheita, podaram e enxertaram e não puderam colher as frutas.
(…) As operações praticadas nas raízes das vinhas e das árvores devem ser destruídas, para que sejam mantidos os preços elevados. É isto o mais triste, o mais amargo de tudo. Carradas de laranjas são atiradas para o chão. Homens armados de mangueiras derramam querosene por cima das laranjas e enfurecem-se contra o crime, contra o crime daquela gente que veio à procura da fruta. Um milhão de criaturas com fome e o querosene derramado sobre as faldas das montanhas douradas.
O cheiro da podridão enche o país.
Queimam café como combustível de navios. Queimam o milho para aquecer; o milho dá um lume excelente. Atiram batatas aos rios, colocando guardas ao longo das margens, para evitar que o povo faminto intente pescá-las.
Há nisto tudo um crime, um crime que ultrapassa o entendimento humano. Há nisto uma tristeza, uma tristeza que o pranto não consegue simbolizar. Crianças atingidas de pelagra têm de morrer porque a laranja não pode deixar de proporcionar lucros. Os médicos legistas devem declarar nas certidões de óbito; «Morte por inanição», porque a comida eleve apodrecer , deve, por força, apodrecer."






John Steinbeck " As Vinhas da Ira"

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